terça-feira, 1 de outubro de 2013

CONTO #6 - Fábula Moderna

FÁBULA MODERNA

      O Lobo-guará, o presto mensageiro da floresta, estava agitado naquele dia. Durante a reunião semanal dos animais do cerrado ele mal podia aguardar para dar seu parecer diante de seus amigos.
      Majestosa, a Onça pintada – governante daquelas bandas – saudou a todos e declarou aberta a reunião de condomínio.
      - Meus caros habitantes da mata! Quais são os assuntos dessa belíssima semana?
      Pela ordem, primeiro apresentou-se o Tamanduá-bandeira, hilário como sempre. Contou as fofocas de toda a parte. Fez corar o Macaco-prego e o Veado-mateiro, sugerindo algo estranho entre eles...
      - Em nosso reino, todos são livres para fazerem o que quiserem; desde que respeitem os limites do próximo. Somos animais racionais ou o quê?
      Diante da sabedoria da Onça todos se calaram e concordaram com a liberdade dos animais caluniados. Todos eles eram compreensíveis e humildes para mudarem seus pontos de vista de acordo com os fatos e reflexões novas que surgiam. Mesmo porque a verdade é multifacetada e complexa demais para ser tão intransigente.
      O próximo animal a falar foi a senhora Capivara. Como de costume, distribuiu muitos quitutes deliciosos, feitos a pouco com todo carinho. Ela exigia que o Pato-mergulhão fizesse menos barulho na hora do descanso de seus filhotes. Pedindo mil desculpas, envergonhado, o Pato prometeu jamais cometer o mesmo erro:
      - Quáááaálquer coisa é só me avisar, senhora Capivara. Não vou causar mais incômodo.
      Tratar com seres tão educados é outra história, não é? Os animais reclamavam e prontamente eram atendidos e tudo ficava bem novamente no Cerrado. Até que a vez do Lobo-guará chegou.
      - Excelentíssima dona Onça, temos um problema urgente!
      Todos os animais ficaram atônitos diante do alerta. Preocupada, a regente lhe perguntou:
      - Diga-me, meu caro lobo, o que aconteceu?
      - São os humanos novamente, vossa majestade. Desta vez estão querendo cortar nossas melhores árvores ao norte apenas para construírem algo que não sei bem o que seria!
      Imponente, a Onça-pintada convocou seus servos mais confiáveis para tentar impedir aquela ação irracional.
      - Designarei o Quati, o Porco-espinho e o Falcão-de-peito-vermelho para a missão. Que ninguém se machuque, nem mesmo nossos agressores. Usem minha sabedoria para determos essa destruição!
      Após ouvirem o plano cuidadosamente, o grupo se despediu dos demais, decididos a salvarem as preciosas árvores. A jovem Anta chorava, mesmo sem motivo, pela partida dos amigos. Imaginava o pior, contudo era apoiada pelo seu amigo Paca e pela vizinha Queixada.
      Em poucas horas, os amigos avistaram o enorme trator que estava estacionado diante da mata intocada. Engoliram seco pela monstruosidade daquela máquina. Jamais haviam visto algo parecido! Era maior que qualquer outro animal e tão duro quanto as pedras do rio. Mais que depressa executaram o plano da Onça e tomaram seus postos. Assim que o humano aproximou-se da gigantesca máquina, o gavião – astuto por natureza – roubou-lhe a chave de ignição das mãos em um voo rasante de impressionar qualquer um. Confuso, o homem xingava o pássaro com os punhos cerrados e os dentes rangendo. O Quati, que estava no teto do trator, jogou-se na careca do homem que, assustado, perdeu o equilíbrio e sentou-se em cima do Porco espinho.
      Dando um imenso urro, o homem fugiu daquele local aterrorizado pela ação dos animais. Enquanto corria, retirava os espinhos que ficaram grudados em suas nádegas. Vitoriosos, os animais retornaram e contaram aos outros o sucesso de sua missão.
      Ah! Como fizeram festa naquele dia! O perigo estava distante de sua casa. Foram muitos dias sem o fantasma da humanidade rondando sua paz, pois a sábia Onça garantiu a felicidade daqueles dias.
      Mas, como em qualquer fábula moderna, em pouco tempo muitos tratores invadiram a mata e devastaram tudo para a construção de uma usina hidrelétrica. O território foi todo inundado e os animais morreram.


Moral da história: Nem mesmo a sabedoria da natureza ou a bondade da terra são suficientes para deter a ganância desvairada da maldade humana.

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