quarta-feira, 30 de outubro de 2013

CONTO #7 - Encontro Festivo

Encontro festivo

Aquele era um dia especial para Amaro. Após três semanas de intenso trabalho, retornaria para casa e para sua família. Estava tão ansioso para rever seus familiares que mal se continha em sua mesa de escritório. Como prometera para sua esposa, conseguiu cumprir integralmente o acordo que fizera com a empresa e dedicou grande parte de suas férias a colocar as documentações em dia. Após as 18 horas, seria um homem livre novamente.
Comentava, extasiado, com seus colegas o encontro festivo que teria com sua família na área da piscina do condomínio. Aquela tinha sido uma conquista hercúlea em sua vida. Poupara durante anos para dar entrada no luxuoso apartamento no qual planejara dedicar o resto de sua existência ao lado de todos que amava. Seriam inúmeros churrascos, festas, brincadeiras e cantarias. Era o lugar perfeito para realizar sonhos. Já podia imaginar o quanto deveria estar decorado para recepcioná-lo à noite. Contava os segundos, roendo a alma.
Independente do que fazia, pausava seus afazeres ao olhar o retrato de sua família que decorava a mesa entupida de papelada. Eram ao todo cinco no retrato: Amaro, sua esposa Moema e seus três filhos: Layla, Felipe e Lukas. Este último com apenas três anos de idade e muito amor pelo pai. Alegrava-se sobremaneira ao vê-lo chegar do serviço e logo pulava em seu colo, buscando seu carinho. Da mesma forma, todos os outros filhos o amavam, bem como sua esposa. Não seria possível voltar para casa sem comprar presentes para todos. Decidido, organizou sua mesa e, às 18 horas em ponto, partiu para o shopping à procura dos mimos ideais.
Para sua esposa Moema comprou uma lindíssima joia – e, diga-se de passagem, caríssima – que ornaria sua beleza tal qual uma das antigas rainhas da História. Para os filhos mais velhos foi fácil de escolher; aparelhos eletrônicos de última geração. Eles adoravam tecnologia e certamente louvariam a sábia escolha do pai. Difícil foi encontrar o presente perfeito para o pequeno Lukas. Após exaustivamente circular pelas melhores lojas de brinquedo, achou um item que lhe saltou aos olhos: um delicado ursinho de pelúcia. Sabia que seu filho mais novo se agradava com pelúcias, mas relutou em comprar-lhe mais uma. Enfim, era o que lhe agradava então não se deveria mexer em time que está a vencer.
Por último, passou em uma papelaria e comprou belíssimos cartões de presente e os preencheu com muito sentimento. Mesmo não sendo tão bom com as palavras, Amaro esforçou-se para fazer seu melhor. Satisfeito, levou os pacotes para seu carro e partiu para casa. Ouvindo uma seleção de músicas marcantes que gravara com seus filhos para viajar, rumou imaginando que grandiosa festa o aguardava na piscina. Abraçaria a todos e esqueceria as lutas desse mundo.
Acionou o portão eletrônico e estacionou em sua vaga na garagem. Queria muito ir direto para a festa, mas decidira subir ao seu apartamento para arrumar-se melhor. Assobiando sua canção favorita no elevador, chegou até seu andar: o décimo terceiro. Seu coração disparou quando encaixou a chave na fechadura e rodou. Abriu a porta e encontrou o apartamento da forma como deixou. Estava tudo silencioso. Correu até o banheiro repetindo para si mesmo:
- Rápido, Amaro. Eles te esperam na piscina!
Despiu-se e tomou seu banho celeremente. Secou-se, escolheu sua melhor roupa e perfumou-se. Ajeitou seu cabelo e, decidido, disse novamente para si mesmo diante do espelho:
- Chegou a hora! Vamos para a festa!
Amaro passou pela sala, que apesar de sua impressão deturpada, continuava em estado caótico. Tocou os presentes que deixou no sofá, o único móvel que permanecia intacto. Caminhou até a sacada de seu apartamento e subiu no parapeito e retirou um pedaço dobrado de jornal que guardava há muitos dias. Nele era possível ler a seguinte manchete:

Mulher e filhos morrem em horrível acidente na Marginal.


Beijando o jornal, olha para baixo e vê a piscina do condomínio. Abre seus braços e vai sorrindo ao encontro de sua família que, excitadíssima, aguardava a chegada de Amaro. E a festa aconteceu na mente daquele homem.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

CONTO #6 - Fábula Moderna

FÁBULA MODERNA

      O Lobo-guará, o presto mensageiro da floresta, estava agitado naquele dia. Durante a reunião semanal dos animais do cerrado ele mal podia aguardar para dar seu parecer diante de seus amigos.
      Majestosa, a Onça pintada – governante daquelas bandas – saudou a todos e declarou aberta a reunião de condomínio.
      - Meus caros habitantes da mata! Quais são os assuntos dessa belíssima semana?
      Pela ordem, primeiro apresentou-se o Tamanduá-bandeira, hilário como sempre. Contou as fofocas de toda a parte. Fez corar o Macaco-prego e o Veado-mateiro, sugerindo algo estranho entre eles...
      - Em nosso reino, todos são livres para fazerem o que quiserem; desde que respeitem os limites do próximo. Somos animais racionais ou o quê?
      Diante da sabedoria da Onça todos se calaram e concordaram com a liberdade dos animais caluniados. Todos eles eram compreensíveis e humildes para mudarem seus pontos de vista de acordo com os fatos e reflexões novas que surgiam. Mesmo porque a verdade é multifacetada e complexa demais para ser tão intransigente.
      O próximo animal a falar foi a senhora Capivara. Como de costume, distribuiu muitos quitutes deliciosos, feitos a pouco com todo carinho. Ela exigia que o Pato-mergulhão fizesse menos barulho na hora do descanso de seus filhotes. Pedindo mil desculpas, envergonhado, o Pato prometeu jamais cometer o mesmo erro:
      - Quáááaálquer coisa é só me avisar, senhora Capivara. Não vou causar mais incômodo.
      Tratar com seres tão educados é outra história, não é? Os animais reclamavam e prontamente eram atendidos e tudo ficava bem novamente no Cerrado. Até que a vez do Lobo-guará chegou.
      - Excelentíssima dona Onça, temos um problema urgente!
      Todos os animais ficaram atônitos diante do alerta. Preocupada, a regente lhe perguntou:
      - Diga-me, meu caro lobo, o que aconteceu?
      - São os humanos novamente, vossa majestade. Desta vez estão querendo cortar nossas melhores árvores ao norte apenas para construírem algo que não sei bem o que seria!
      Imponente, a Onça-pintada convocou seus servos mais confiáveis para tentar impedir aquela ação irracional.
      - Designarei o Quati, o Porco-espinho e o Falcão-de-peito-vermelho para a missão. Que ninguém se machuque, nem mesmo nossos agressores. Usem minha sabedoria para determos essa destruição!
      Após ouvirem o plano cuidadosamente, o grupo se despediu dos demais, decididos a salvarem as preciosas árvores. A jovem Anta chorava, mesmo sem motivo, pela partida dos amigos. Imaginava o pior, contudo era apoiada pelo seu amigo Paca e pela vizinha Queixada.
      Em poucas horas, os amigos avistaram o enorme trator que estava estacionado diante da mata intocada. Engoliram seco pela monstruosidade daquela máquina. Jamais haviam visto algo parecido! Era maior que qualquer outro animal e tão duro quanto as pedras do rio. Mais que depressa executaram o plano da Onça e tomaram seus postos. Assim que o humano aproximou-se da gigantesca máquina, o gavião – astuto por natureza – roubou-lhe a chave de ignição das mãos em um voo rasante de impressionar qualquer um. Confuso, o homem xingava o pássaro com os punhos cerrados e os dentes rangendo. O Quati, que estava no teto do trator, jogou-se na careca do homem que, assustado, perdeu o equilíbrio e sentou-se em cima do Porco espinho.
      Dando um imenso urro, o homem fugiu daquele local aterrorizado pela ação dos animais. Enquanto corria, retirava os espinhos que ficaram grudados em suas nádegas. Vitoriosos, os animais retornaram e contaram aos outros o sucesso de sua missão.
      Ah! Como fizeram festa naquele dia! O perigo estava distante de sua casa. Foram muitos dias sem o fantasma da humanidade rondando sua paz, pois a sábia Onça garantiu a felicidade daqueles dias.
      Mas, como em qualquer fábula moderna, em pouco tempo muitos tratores invadiram a mata e devastaram tudo para a construção de uma usina hidrelétrica. O território foi todo inundado e os animais morreram.


Moral da história: Nem mesmo a sabedoria da natureza ou a bondade da terra são suficientes para deter a ganância desvairada da maldade humana.