FÁBULA MODERNA
O Lobo-guará, o presto mensageiro da
floresta, estava agitado naquele dia. Durante a reunião semanal dos animais do
cerrado ele mal podia aguardar para dar seu parecer diante de seus amigos.
Majestosa, a Onça pintada – governante daquelas
bandas – saudou a todos e declarou aberta a reunião de condomínio.
- Meus caros habitantes da mata! Quais são
os assuntos dessa belíssima semana?
Pela ordem, primeiro apresentou-se o
Tamanduá-bandeira, hilário como sempre. Contou as fofocas de toda a parte. Fez corar
o Macaco-prego e o Veado-mateiro, sugerindo algo estranho entre eles...
- Em nosso reino, todos são livres para
fazerem o que quiserem; desde que respeitem os limites do próximo. Somos
animais racionais ou o quê?
Diante da sabedoria da Onça todos se
calaram e concordaram com a liberdade dos animais caluniados. Todos eles eram
compreensíveis e humildes para mudarem seus pontos de vista de acordo com os
fatos e reflexões novas que surgiam. Mesmo porque a verdade é multifacetada e
complexa demais para ser tão intransigente.
O próximo animal a falar foi a senhora Capivara.
Como de costume, distribuiu muitos quitutes deliciosos, feitos a pouco com todo
carinho. Ela exigia que o Pato-mergulhão fizesse menos barulho na hora do
descanso de seus filhotes. Pedindo mil desculpas, envergonhado, o Pato prometeu
jamais cometer o mesmo erro:
- Quáááaálquer coisa é só me avisar,
senhora Capivara. Não vou causar mais incômodo.
Tratar com seres tão educados é outra
história, não é? Os animais reclamavam e prontamente eram atendidos e tudo
ficava bem novamente no Cerrado. Até que a vez do Lobo-guará chegou.
- Excelentíssima dona Onça, temos um
problema urgente!
Todos os animais ficaram atônitos diante
do alerta. Preocupada, a regente lhe perguntou:
- Diga-me, meu caro lobo, o que aconteceu?
- São os humanos novamente, vossa
majestade. Desta vez estão querendo cortar nossas melhores árvores ao norte
apenas para construírem algo que não sei bem o que seria!
Imponente, a Onça-pintada convocou seus
servos mais confiáveis para tentar impedir aquela ação irracional.
- Designarei o Quati, o Porco-espinho e o
Falcão-de-peito-vermelho para a missão. Que ninguém se machuque, nem mesmo
nossos agressores. Usem minha sabedoria para determos essa destruição!
Após ouvirem o plano cuidadosamente, o
grupo se despediu dos demais, decididos a salvarem as preciosas árvores. A jovem
Anta chorava, mesmo sem motivo, pela partida dos amigos. Imaginava o pior,
contudo era apoiada pelo seu amigo Paca e pela vizinha Queixada.
Em poucas horas, os amigos avistaram o
enorme trator que estava estacionado diante da mata intocada. Engoliram seco pela
monstruosidade daquela máquina. Jamais haviam visto algo parecido! Era maior
que qualquer outro animal e tão duro quanto as pedras do rio. Mais que depressa
executaram o plano da Onça e tomaram seus postos. Assim que o humano
aproximou-se da gigantesca máquina, o gavião – astuto por natureza – roubou-lhe
a chave de ignição das mãos em um voo rasante de impressionar qualquer um.
Confuso, o homem xingava o pássaro com os punhos cerrados e os dentes rangendo.
O Quati, que estava no teto do trator, jogou-se na careca do homem que,
assustado, perdeu o equilíbrio e sentou-se em cima do Porco espinho.
Dando um imenso urro, o homem fugiu
daquele local aterrorizado pela ação dos animais. Enquanto corria, retirava os
espinhos que ficaram grudados em suas nádegas. Vitoriosos, os animais
retornaram e contaram aos outros o sucesso de sua missão.
Ah! Como fizeram festa naquele dia! O
perigo estava distante de sua casa. Foram muitos dias sem o fantasma da
humanidade rondando sua paz, pois a sábia Onça garantiu a felicidade daqueles
dias.
Mas, como em qualquer fábula moderna, em
pouco tempo muitos tratores invadiram a mata e devastaram tudo para a
construção de uma usina hidrelétrica. O território foi todo inundado e os
animais morreram.
Moral da história: Nem mesmo a sabedoria da natureza ou a bondade da
terra são suficientes para deter a ganância desvairada da maldade humana.
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